O meu pai ficava transtornado quando, já pronto a começar o jantar, me via puxar conversas de política. Aos 13 anos, já sabia de cor a resposta da minha mãe às minhas indignações sobre o que acontecia no mundo: “deixa lá isso e come antes que fique frio”.
Os talheres em riste acumulavam a tensão por ter de calar o que era incómodo. “À mesa quero paz”, dizia o meu pai, e nos seus olhos arregalados lia o imperativo “já chega”. Só mais tarde, talvez só agora, viria a perceber que aquele silêncio, era o segredo mais bem guardado para a manutenção da nossa sanidade mental.
Hoje, filha desse privilégio que pode virar a cara e mudar de conversa, repito para mim o mantra “já chega” e dou mais uma garfada e um gole de água para empurrar.
Os donativos e o voluntariado são a expressão mais alta da minha hipocrisia. Faço-o para aliviar a consciência como quem come uma lasanha e acompanha com uma salada. Guardo a frase que diz “escolher não ver as notícias também é uma forma de auto cuidado” e uso a ansiedade como desculpa para mudar de canal. Abro uma tab para doar à UNHCR e outra para escolher onde vou jantar amanhã.
Este espaço virtual, espécie de cozinha em open space com mesa de jantar, tem como propósito que Anita e Garibaldi escrevam sobre as suas experiências à mesa enquanto pensam sobre os porquês do mundo. Só que este mundo foi deixado ao lume sem vigia nem temporizador e tudo o que fazemos parece perder sentido no meio desta cozinha em chamas.
Ando há duas semanas a tentar escrever sobre alguma coisa que importe, a pensar na receita para a paz e a única coisa gastronómica que levam daqui é uma triste comparação com lasanha.
Dois anos de pandemia sem apanhar covid e estava longe de imaginar o que nos tiraria a vontade de comer. Fazemos uma sopa quente, decidimos coisas como se houvesse futuro, acrescentamos “cebolas” à lista das compras, fingimos uma pretensa normalidade, rimos de noivas a cair em cima de bolos de casamento, fintamos as nossas incongruências e pedimos desculpas sem saber de quê.
Anita