“Isso são modernices” - responde a maioria das pessoas hoje em dia quando se fala numa alimentação diária de base vegetal. Pais e avós estranham ainda mais esta proposta. O problema é que, se essas pessoas tiverem mais de 70 anos, sofrem de problemas de memória. Até 1960, a alimentação em Portugal era uma alimentação de base vegetal. E não sou eu que o digo, são os dados da PORDATA, a partir dos quais Pedro Graça escreveu o e-book “Como comem os portugueses”, editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Os dados mostram que, até 1960, a alimentação dos portugueses era ditada pela sazonalidade e localização geográfica, com uma omnipresença e proeminência dos produtos de origem vegetal, principalmente hortícolas frescos. Isso não quer dizer que somos grandes fãs de salada, porque a verdade é que a história mostra que éramos avessos ao consumo de alimentos crus. O pináculo da nossa cultura alimentar é a sopa. Ou melhor, as sopas, porque fomos capazes de criar uma miríade de variações de sopa, determinadas por diferentes combinações de ingredientes. Até à década de 60, a maior fatia do consumo ou disponibilidade energética da nossa alimentação eram os hortícolas frescos, seguidos de cereais e leguminosas e uma quantidade residual de produtos de origem animal.
Hoje, esses valores estão praticamente invertidos, embora os valores de todas as categorias tenham subido. Passámos de ter uma disponibilidade energética de 2500 kcal para 3800 em 50/60 anos e hoje a proteína de origem animal ocupa a maior parte do nosso prato.
E a insistência na quantidade de proteína animal que a maioria dos portugueses consome hoje em dia é uma forma de novo riquismo. Os dados mostram que as pessoas com menos literacia têm um menor consumo de hortícolas frescos. O que corrobora a minha teoria de que as pessoas, principalmente as com menos formação, insistem em comer mais carne e peixe simplesmente porque podem, porque ainda têm no seu subconsciente as privações do tempo da ditadura e esse consumo é, hoje em dia, uma forma inconsciente de afirmação de superação. Como há gerações atrás, quando os novos ricos da indústria, habituados a comer sardinhas fritas com broa, passaram a comê-las com pão de ló, então acessível apenas às pessoas mais abastadas.
Estas alterações aos nossos padrões alimentares aconteceram simultaneamente com maior incidência de obesidade, doenças cardiovasculares, diabetes e alguns tipos de cancro. Urge então questionarmo-nos se não está na hora de voltar à alimentação do antigamente.
Muitos dos pratos fartos que identificamos como cozinha tradicional portuguesa não nasceram como pratos do dia a dia, são pratos de dias de celebração. Podemos continuar a comer cozido à portuguesa mas voltarmos à quantidade residual de enchidos que era introduzida outrora é imperativo. Não só por questões ambientais mas principalmente por questões de saúde.
Está na hora de deixarmos de acreditar que sempre nos alimentamos da forma que nos alimentamos hoje e de consumirmos a quantidade de comida que consumimos só porque financeiramente podemos. Senão, vamos continuar a achar boa ideia comer sardinhas fritas com pão de ló.
Garibaldi