O sexo Tântrico cria uma nova perspectiva, uma inspiração erótica de grande riqueza, uma capacidade de reflexão profunda e sensibilidade vital extrema que pode até gerar um tempo e espaço diferentes durante o contato sexual. (...) A prática tântrica pode ser realizada por qualquer pessoa que se proponha a tentar alcançar o prazer supremo e prolongado.” - diz a Wikipedia sobre sexo tântrico.
A nossa prática tântrica aplicada à gastronomia começou de forma inocente e engenhosa. Não foi fruto de uma reflexão muito profunda, mas resultou de alguma sensibilidade, de uma consciência de aproveitamento e de uma prática ativa de combate ao desperdício.
Iniciámo-nos no tantra gastronómico quando trouxemos lulas recheadas de casa da minha mãe. Uma delícia, como é apanágio da Rosa. No fim, olhar para o molho que sobrou e imaginar-nos a deitá-lo ao lixo era como imaginar-nos a atirar dinheiro ao Rio Leça. Jamais. Guardámos então o valioso e gorduroso líquido no frigorífico. Para reavivar esse prazer dias depois, como quem abre a caixa dos brinquedos sexuais no quarto, invocámos um dos nossos brinquedos gastronómicos favoritos: o Trioche da Trindade. Tostámos fatias grossas e barramos-lhes a já endurecida gordura das lulas recheadas, que se derreteu de imediato e soltou um mágico cheiro a surf and turf (a minha mãe recheia as lulas com os seus tentáculos, carne picada e chouriça). De repente, êxtase total e uma nova abertura de horizonte no nosso paradigma de aproveitamento.
A prática tântrica requer prática. Sempre que comemos algo que nade em molho guardamos o líquido do amor. Estufados, assados e até bifanas já nos deram pano para esticar o nosso tantra gastronómico.
Há umas semanas participámos num curso online de comida picante e na primeira aula cozinhei um panaeng de vaca com instruções em direto via Zoom. Anita estava nesse dia a trabalhar, portanto, esperei por ela após terminar a preparação e voltei a aquecer assim que ela chegou - nada grave neste tipo de pratos. Durante este compasso de espera o molho do panaeng arrefeceu um pouco e alguma gordura subiu à tona. Com mais um laivo de sustentabilidade e tantra, retirei essa gordura da superfície para um ramequim, já a imaginar um novo orgasmo gastronómico, noutro ponto do espaço-tempo, com esta gordura tão picante quanto aromática. Dias depois, durante uma das nossas fases de “não vamos às compras enquanto não esvaziarmos o frigorífico e a despensa”, uma abóbora manteiga já pedia salvação e eu decidi reavivar essa gordura mágica. Cortei generosas fatias de abóbora, pincelei-as com essa essência de panaeng e cozinhei-as na frigideira, bem douradas. Nos momentos de prazer podem acontecer acidentes como cãibras, cabeçadas na parede ou quedas da cama. Nessa refeição, acidentalmente, esqueci-me de temperar devidamente a abóbora. Voltámos então a subir para a cama - perdão - guardámos então essa abóbora aromática, picante mas sensaborona. Na refeição seguinte juntámos-lhe alho em pó, noz moscada, uma colher generosa de manteiga e fizemos um puré. Com tanto sabor, e satisfeitos com apenas duas colheradas, sobrou puré. Eis então mais uma oportunidade para prolongarmos o nosso tantra com uma quarta iteração. “E se aproveitássemos este puré para usar a massa folhada que está prestes a passar de prazo?” - perguntei eu. Tal como no sexo, uma boa relação na cozinha vive de trocas de papel e sugestões inesperadas. Anita decidiu seguir a minha sugestão elevando o nível pornográfico do petisco - folhados de puré de abóbora grelhada e cheddar envelhecido ou como atingir o nirvana da comida tântrica.
Não querendo ser a Marta Crawford da gastronomia, sugiro que pratiquem o tantra na cozinha. Como no sexo, requer um forte autocontrolo. Permita-se o prazer à língua e aos dedos na limpeza do prato, mas como uma sapatada invisível na mão antes de rapar o molho do tacho, fale mais alto o tantra e a possibilidade do prazer noutro espaço-tempo.
Garibaldi