Composição para a minha mãe.

1 de Maio, 2022

Composição para a minha mãe.

Hoje, muito se vai escrever sobre as mães. De “mãe guerreira” a “melhor mãe do mundo”, vamos ouvir que as mães fazem tudo por nós, que são casa e são colo, que dão mimos e castigos, que corrigem os testes e os ditados e ficam acordadas toda a noite até termos vinte anos.

A minha mãe gosta do campo, do ar puro e da liberdade. Gosta de frutas tropicais e do verão, quando pode comer pêssegos a todas as refeições. Está há um mês a sonhar com cerejas e ainda não aprendeu a usar protetor solar. Perde pouco tempo a escolher o que vai vestir e está sempre bonita porque tudo lhe fica bem. Tem cara de poucos amigos e só tem amigas boas. Poucas mas boas, diz muitas vezes.

A minha mãe fica a ver televisão até tarde e se dormir demasiado acorda com dor de cabeça. Dorme com meias a cobrir as calças de pijama e é bastante friorenta. Escova muito bem os dentes e preocupa-se com a nossa dentição. Queixa-se de ser um relógio de cucu por dizer as mesmas coisas vezes sem conta e nunca se zanga por não arrumarmos o quarto. Uma vez entrou no meu quarto calmamente, abriu a janela, atirou lá para fora a roupa que tinha espalhada e acumulada há meses e saiu.

A minha mãe gosta de se queixar por não saber onde estão as camisolas que sabe perfeitamente que uso às escondidas. Rebenta o conta quilómetros para nos ir levar e buscar a todas as atividades. Chegamos sempre a horas mas às vezes esquece-se de me ir buscar à dança. Se fosse minha mãe, provavelmente, também me esquecia.

A minha mãe pára tudo quando dá um abraço. Está mesmo ali presente e é reconfortante e intimidante. Falamos poucas vezes ao telefone e horas a fio quando estamos juntas.

Uma vez perguntei à minha mãe se éramos pobres. Eu já sabia que não havia marcas nem sapatilhas caras. Era uma questão de princípio e “as do mano serviam perfeitamente”. O que me intrigou antes dessa pergunta foi o armário das bolachas na casa da Cármina. Estava no sexto ano e fui dormir a casa da minha amiga. De manhã, a mãe da Cami abriu a porta de um armário que me fez pensar se teria acordado no corredor  do pequeno almoço do supermercado. A minha mãe escolhia fruta em vez de bolachas, torradas de centeio em vez de bolicaos, leite com cevada em vez de nesquick e compota caseira em vez de nutella. Detestava a minha mãe mas ela estava-se nas tintas para as minhas reivindicações em prol da comida de faz de conta, queria que aprendesse a comer, dizia que o pequeno almoço era a refeição mais importante do dia e que se tivesse fome havia sopa no congelador.

A minha mãe faz carne estufada com cenouras e ervilhas, faz arroz com hortelã e salada de fruta. Faz bolo de iogurte, bolo de laranja e bolo de nozes. Faz o “doce da Belinha” e pizza rectangular. A minha mãe cozinha de vez em quando e não me lembro de a ver de avental. A minha mãe prefere um churrasco e uma salada porque os grelhados fazem melhor.

A minha mãe ensinou-me a contar os dias para as festas de aniversário em que me vingaria nas batatas fritas e nos croissants e ensinou-me a gostar de tudo, sobretudo de legumes, frutas e vegetais. Tem uma horta e um pomar e sabe muitas coisas que aprendeu no Borda d’Água.

A minha mãe ensinou-me a gostar de comida de verdade.

A minha mãe não é a melhor mãe do mundo. A minha mãe é a minha mãe.



Anita