Se vos convidar para um jantar e combinarmos uma hora, peço encarecidamente que evitem chegar quinze minutinhos mais cedo.
A vossa Anita é um espécime que aprecia fazer coisas com antecedência e ter tudo pronto antes de tocar a campainha. Escolho os atoalhados e a baixela com tempo suficiente para garantir pandã na paleta de cores e coerência na linha estética.
Podia alegar que o faço porque quero prestar toda a atenção aos comensais, mas a verdade é que a minha necessidade de ter tudo controlado ganha pontos à magia de “estarmos todos a confraternizar à volta do fogão”. Confraternizar é à mesa. A cozinha é para cozinhar.
Isto dos open spaces veio mexer com o meu sistema. Uma pessoa quer estar sossegada a fazer o jantar e vem logo alguém de manga arregaçada perguntar se é preciso fazer alguma coisa. E ainda nem disse “alguma” e já picou meia cebola. Querem a receita para a minha paz de espírito? Abram uma garrafa de vinho e vão para a sala ouvir discos da Monster Jinx e folhear edições da dramaturgia contemporânea. É dessa ajuda que preciso.
Há pessoas que apreciam cozinhar com os amigos em casa, conversar enquanto salteiam cogumelos e mostrar os cantos à casa enquanto retificam os temperos. Qual chef em showcooking caseiro, riem e palram entre idas ao frigorífico e visitas à despensa. Se és uma dessas pessoas anfitriãs do multitasking, fixe para ti. Parabéns.
Garibaldi, é o capitão de equipa de quem pode receber as pessoas às sete da tarde e estar em paz com isso. Nem a cozinha em pantanas é capaz de o perturbar. E enquanto me acusa de ter medo de falhar, garanto-lhe que é só uma questão de método. Gosto de estar focada e seguir um plano, para minimizar os riscos de queimar o fundo do tacho ou de me esquecer do sal.
Guardam um segredo? Ele tem razão. Claro que é medo de falhar. Essa é uma grande diferença entre nós. O peso que pomos nas coisas que fazemos. Para ele é parque de diversões, para mim é prova de vida. É destemido e pouco lhe importa o que as outras pessoas vão pensar. No meu caso, está à vista: dramática que chegue e borrada de medo até ao pescoço.
Desconfio que também haja por aí quem, mesmo antes de desligar o fogão, já tenha conseguido lavar, limpar e arrumar quase tudo o que sujou. Quem sinta segurança numa casa asseada e organizada. Quem escolha receitas de entradas e sobremesas que possa fazer com antecedência e finalizar na hora. Quem opte por pratos de forno para, quando chegarem os convivas, poder estar mais preocupada com o sítio onde vão pousar os casacos do que com o ponto da carne.
Se vos convidar para jantar é porque vos quero agradar. Com tanta teoria sobre o self receio que nos esqueçamos de como é bom fazermos coisas só para agradar os outros.
Sou muito feliz a cozinhar e a receber pessoas em casa. Principalmente se puder fazer primeiro uma e depois outra. Tirar o avental enquanto sobem as escadas e abrir a garrafa de vinho que vai ajudar a quebrar o gelo. Estes tempos complicaram a nossa agilidade na arte do paleio. Pôr a mesa é sinal de quem vem aí conversa. Será que ainda sabemos conversar?
Anita