Início dos anos 90, um café snack-bar chamado A Taverna, com um senhor de bigode atrás do balcão e um lanche. Aqui, lanche significa o snack a meio da tarde e o produto de pastelaria salgada com brioche adocicado e recheio de carnes frias, algo a que mais a sul chamam de merenda. Estas são as coordenadas de uma das minhas primeiras memórias gastronómicas.
O senhor Eurico era o dono do café por baixo do primeiro escritório do meu pai, na Rua Serpa Pinto em Matosinhos. Quando ia visitar o meu pai ao trabalho, era alta a probabilidade de ir lanchar ao senhor Eurico. Comia sempre a mesma coisa - um lanche prensado. E sempre que comia o mesmo noutro sítio, ficava triste com aquilo que me apresentavam.
Os lanches prensados do senhor Eurico eram especiais graças a um simples detalhe que fazia toda a diferença. Por brio, criatividade ou simples vontade de fazer diferente, o senhor Eurico virava o lanche na prensa a meio do processo, o que lhes conferia um padrão cruzado, a parte de cima do lanche transformava-se num campo de pequenas pirâmides tostadas.
Poucos anos depois, deixei de apreciar lanches prensados e passei a preferi-los simplesmente aquecidos, com a textura fofa do brioche em vez da textura crocante da parte tostada. Mas continuei a apreciar e a valorizar cada vez mais pequenos detalhes que elevam a experiência gastronómica. Aquilo que eu sentia pelo lanche prensado do senhor Eurico, Anita sente pelas torradas que a minha mãe faz no café. Pão de forma de padaria cortado na hora, torradeira de resistência e manteiga generosa em ambos os lados, sem ensopar. É esta atenção ao detalhe que eleva a experiência de comer uma torrada para um momento de deleite.
As tostas mistas também se prestam ao detalhe diferenciador. Durante alguns anos, fiz umas horas no café da minha mãe e do meu tio e com a prática cimentei a minha técnica de tostas mistas. O detalhe mais importante é a disposição do queijo. Para assegurar que o queijo derreta bem, tem de ficar mais próximo de ambos os lados da prensa. Pão, fatia de queijo, fatia de fiambre (ou duas), fatia de queijo, pão. Melhora sempre com manteiga, por norma do lado de fora do pão, para contacto direto com as papilas gustativas. Se estivermos com pressa, podemos barrar a manteiga do lado de dentro do pão e em contacto com o queijo para termos a tosta pronta em menos tempo. Podemos subir a temperatura e tostar o lado de fora do pão enquanto o queijo derrete mais rápido porque tem a manteiga a abraçá-lo e a acelerar o processo.
Antes da febre da ASAE todos os cafés tinham uma manteigueira de inox com um pincel. Uma pequena piscina de ouro semi derretido, pronto a vestir qualquer pedido que saísse da prensa ou da torradeira. Infelizmente, é cada vez mais raro ver isso. Quando vejo, lembro-me do senhor Eurico e de como finalizava os lanches prensados.
Garibaldi