Há quem se entusiasme com roupa, jóias, relógios, camisolas de clubes… No meu caso, há anos que abro avidamente todos os catálogos do Lidl à espera de ver o tão desejado brinquedo. Há uma semana, finalmente aconteceu: comprei uma picadora de carne com acessório de fazer enchidos.
Sendo declaradamente um aficionado do do it yourself gastronómico, este era um terreno em que há muito queria entrar. Mas é como se me tivessem metido dentro de um campo de futebol, não sei o que fazer. Não há conteúdo online sobre receitas portuguesas de enchidos tradicionais. E reparem que disse receitas portuguesas e não receitas em português, porque os nossos primos do outro lado do atlântico adoram fazer linguiça e há milhares de receitas, sejam em blogs ou no Youtube. Até há receitas de alheiras em português do Brasil, vejam lá. Aqui deste lado, nada. Parece que as pessoas querem levar os segredos da charcutaria para a cova.
A última grande machadada na tradição e cultura gastronómica tradicional portuguesa foi dada em 2005 com a criação da ASAE. De boas intenções está o inferno cheio e quem criou a ASAE está já na guestlist. É certo que a fiscalização é necessária, mas o grande motor desta força da autoridade foi mostrar serviço à União Europeia, sem olhar a tradições. Esta insensibilidade, aliada à pausa na passagem oral do conhecimento graças ao êxodo do interior para as cidades, deixou a nossa cultura gastronómica na ponta de um penhasco.
Para salvar a nossa identidade e património é preciso investigar muito. Investigar nos escritos em bibliotecas e alfarrabistas, e investigar com quem detém essa informação, com as pessoas que praticavam ou praticam ainda o artesanato e a manufatura. Desde enchidos a pastelaria, de queijos a vinhos, de técnicas agrícolas a receitas de tacho, de teares a agulhas e alguidares, há um mundo por redescobrir.
Sempre que vou a feiras de velharias, ou até mesmo quando abro o OLX, procuro livros e revistas em busca desse conhecimento tradicional. O futuro pode ser planeado a estudar o passado. A inovação pode ser sustentada pela confirmação científica dos saberes populares. Por isso, se a vossa família organizar matanças do porco, convidem-me. Senão só vou aprender a fazer linguiça calabresa e salsicha toscana.
Garibaldi