Com o calor que já nos pôs a todas a tirar o biquini daquele fundo de gaveta, há quem se prepare para escrever sobre os Essenciais de Verão. Por aqui, o calor faz chegar novos produtos da época e pede menos tempo na cozinha e mais tempo ao Sol.
Em semanas como a que se avizinha, em que se misturam na minha agenda 7 turmas da Escola de Hotelaria e Turismo do Porto, 3 turmas da Escola de Teatro da Retorta, 2 produções do Estúdio Cozinha, 1 candidatura da Carruagem aos apoios da Gulbenkian, 3 récitas de Desastre Nu com o Art’Imagem e 2 máquinas de roupa para lavar, estender, apanhar, dobrar e arrumar, Garibaldi enfrentou ontem, sem companhia de guerra, a minha tarefa preferida da semana: a ida à Frutaria da Dona Maria João e do Senhor José Manuel.
Para não acabarmos a pedir delivery a todas as refeições da semana, o truque é garantir que temos sempre ingredientes frescos, prontos a saltar para a tábua de corte. E, por isso, hoje escrevo sobre alguns Essenciais de Despensa.
Fazer a lista de compras tende a ser um momento de especial solenidade para nós. É quando pensamos nos pratos que queremos cozinhar, nas receitas que ainda não experimentámos e nos truques que queremos testar. Fazemo-la de rabo alapado e de lápis na mão. Nas semanas de maior azáfama, deixamos a ponderação e as experiências em banho maria e activamos o Plano de Emergência Gastronómica. Uma lista de ingredientes para desenrascar refeições rápidas, frescas e reconfortantes, mais o extra a que chamamos de produtos da época ou qualquer coisa que chame à atenção da freguesa.
A história do PEG desta semana, reza assim:
- 1 - Bananas. Da Madeira. Compramos sempre um cacho já bem maduro, porque Garibaldi gosta delas ali a roçar na fase de apodrecimento, e um cacho com elas em condições, para mim, claro está.
- 2 - Couve-flor. Cozida em leite, temperada com sal, pimenta preta e noz moscada - o puré preferido destas duas almas comilonas.
- 3 - Brócolos. Salteados com hoisin, assados no forno com sal e pimenta ou cozidos no ponto sem grandes rodeios.
- 4 - 1 nabo, 2 cenouras, 1 curgete e 1 ramo de coentros. Saltear, coser, triturar. Sopa para duas refeições, normalmente ao jantar daqueles dias que terminam demasiado tarde.
- 5 - Cogumelos. Dos grandes, dos verdadeiros. Há sempre um dia que pede um caldo de cogumelos desidratados, cunhas de queijos que vamos guardando e cascas de coisas aleatórias e cheias de sabor (que fazemos e congelamos para ter sempre à disposição), um copo de vinho enquanto o grão do arroz liberta o amido e se enche de umami e já está - um risotto para afogar as mágoas do cansaço em pecorino romano.
- 6 - Cebolas. Plural. Muitas. Boas. Doces. Portuguesas. Grandes e pequenas para comer sem medo do mau hálito agora protegido pela máscara. Aproveito para confessar um dos meus snacks preferidos, que faz Garibaldi vociferar um "tu és tola” - pão, queijo e cebola crua. Não me orgulho, também não me envergonho. Deixo à vossa consideração.
- 7 - Abacaxi (A), morangos (B), espinafres (C), hortelã (D). AB, AC, BD, AD, BC. Sumo sim, sumo sim, ao início da manhã ou a meio da tarde.
- 8 - Tomates coração de boi. Dos nossos. Grandes e disformes. Uma fatia de Pão da Terra, ou da Trindade, ou da Azeda, ou do Cultura (Que Se Come). Azeite, sal e vinagre de uvas passas. Pão e Tomate. Vocês sabem. Os espanhóis também. Não há discussão.
- 9 - Couve. Coleslaw. Sauerkraut. Kimchi. É preciso dizer mais alguma coisa? Se calhar relembrar-vos a paixão de Garibaldi por coisas podres. Ou fermentados, para não ferir a comunidade.
Quando cheguei a casa depois do ensaio, já a fruteira, vibrante de cor, fazia prova de que Garibaldi sucedera na minha tarefa. Havia ervilhas? - perguntei já a salivar de esperança. Garibaldi aponta para a gaveta de baixo do frigorífico. O tal produto da época que chame à atenção da freguesa era este. Se houvesse uma confraria da ervilha de quebrar. eu fazia um disfarce, por medida para o meu tamanho, daqueles em esponja que fazem uma pessoa derreter ao Sol, só com a cabecita a aparecer em cima. Já me estou a imaginar a passear pelas festas confreiras a honrar a alma deste ingrediente que umas semanas por ano constitui a entidade mais influente na minha cozinha. Alguém imagina o que será o jantar?
- 10 - Ervilhas. Salteadas e semi-crocantes, sal e pimenta preta. Provando que raras vezes têm tempo de tirar o protagonismo a qualquer ingrediente na prateleira do nosso frigorífico.
Anita