Procurei no armário dos pratos, na gaveta dos talheres, na despensa e não encontrei. Ando há anos à procura da forma certa para contornar o desconforto e a violência que sinto sempre que se comentam corpos alheios.
Entro na florista: está mais magra. Passo na mercearia: está mais gordinha não está? Vou ao jantar de família: olha que ficas com estrias se andas sempre a engordar e a emagrecer. Encontro uma amiga: já estiveste mais cheiinha, pelo menos estás menos inchada.
Sonho com o dia em que paremos de tentar elogiar as gordas com “estás mais magra” e as magras com “já não estás tão magra”.
Se antes tínhamos as passarelas, as publicidades e as capas de revista a alimentarem padrões de beleza para as mulheres, hoje essa violência ganha dimensões absurdas com o digital, as imagens modificadas e polidas e os filtros perversamente em busca de uma ideia de aperfeiçoamento.
Proliferam os planos de dietas vendidos em farmácias, caixinhas de comida pré-feita, drenantes para a manhã, laxantes para a tarde e multiplicam-se as lojas de produtos saudáveis altamente processados.
Continuamos sem saber cozer uma couve-flor no ponto mas passamos o dia a comer de 3 em 3 horas. Agora uma bolacha de aveia, agora uma barrinha proteica.
Na fila dos correios ouço alguém dizer “aceito-me como sou”. Fico atenta porque quero ouvir o resto. “Temos que aceitar o nosso corpo como ele é e aceitar as suas imperfeições.” Apetece-me passar à frente na fila para lhe poder dar um abraço. Como assim? O que são imperfeições? O que são as normas da perfeição para nos identificarmos como imperfeitas? O meu corpo não tem imperfeições. Juro! Estive a ver tudo e não encontrei nada com defeito. Ah! Talvez uma tendinite no pulso do tempo em que jogava andebol e achava que podia tudo. Mas de resto, está tudo bem. O meu corpo tem características como todos os corpos e é diferente como o de todas as pessoas.
Já vesti o 38 sem me conseguir ver ao espelho e já vesti o 44 cheia de saúde. Já vi amigas envergonhadas por serem magras, que fintavam o desconforto do “tens que comer rapariga, estás muito magrinha” com um sorriso e um “já estou cheia, obrigada”. Os comentários sobre os nossos corpos estão no campeonato das coisas inofensivas, da preocupação com a nossa saúde e do “agora já não se pode dizer nada” se falarmos em como são violentos.
O meu rabo nunca ocupou tanto as calças e eu nunca me senti tão bem. O corpo é um lugar em movimento, que se adapta, se ressente e dá sinais. Prefiro contar copos de água em vez de calorias, contar histórias em vez de hidratos e fazer consultas de terapia em vez de consultas de nutrição. E em relação ao corpo das outras pessoas prefiro ficar calada, já que o único corpo que me compete é o meu.
Anita