Algum dia imaginaram comprar um gelado e de brinde receberem um voucher para encherem vinte flexões? É a campanha deste verão da maior marca portuguesa de gelados.
Acho curioso como, já passada a primeira metade de 2022, ainda há pessoas que validam este tipo de discurso de associar o prazer de comer à culpa. E como se não bastasse, as figuras destas publicidades são todas mulheres.
Num dos vídeos, um grupo de raparigas adolescentes na praia e, noutro, uma mãe com dois bebés, ambas fases de vulnerabilidade física e emocional para as mulheres. Porquê perpetuar esta perseguição às mulheres e este policiamento dos seus corpos? Como se não pudessem apenas comer um gelado pelo simples prazer de ser algo refrescante e indulgente.
Por outro lado, tendo em conta a quantidade de pessoas que vejo nas redes sociais a partilhar fotografias pós atividade física com a mensagem “tá pago”, penso: “o que é que está pago?”. A mensalidade do ginásio? E as pessoas que correm na rua, o que estão a pagar? Há scuts nas ruas para quem corre? E quem treina em casa? Paga a renda, a conta da água, da luz e da internet para partilhar estas fotografias? Parabéns. Mas por favor parem de pagar penitência por aquilo que comeram ou beberam. Façam-no em consciência, porque querem e porque gostam.
Voltemos à campanha de verão dos gelados “fáceis de queimar”. Em boa verdade, e em abono dos factos, os gelados dessa marca são mais pequenos de ano para ano. O que é tristíssimo porque, cada vez que compramos aquele que era o nosso favorito, acabamos a trair as nossas memórias. Pior ainda: durante a década de 90 e a primeira do novo milénio a oferta aumentava anualmente. Houve uma época em que quase se demorava mais tempo a olhar para todos os gelados naqueles icónicos cartazes de pé, do que a comer o gelado propriamente dito. Muitos deles eram isco fácil para a criançada mais incauta que se enamorava com as cores do branding e a forma do gelado em si. Mas qualquer criança ou pessoa adulta com prática na arte de comer gelados de café, sabe que os bons rondam sempre os mesmos ingredientes: bolacha, nata, frutos secos, chocolate, morango e caramelo. Fossem cones ou gelados de pau, os melhores resultavam sempre de combinações destes ingredientes em diferentes texturas e proporções.
Por causa de tanta gente com mau gosto para gelados, alguns icónicos acabaram por desaparecer, traindo mais uma vez o seu fiel público. Recentemente, a Klondike (uma marca americana de gelados) anunciou o fim do Choco Taco. A marca portuguesa em questão também teve na sua oferta uma versão deste gelado e foi um dos meus favoritos de toda a sua história.
Hoje em dia, a oferta disponível cinge-se aos gelados mais consensuais, que em tamanho são 20 a 30% mais pequenos do que eram há vinte anos atrás. Está na altura desta marca perceber que as pessoas querem comer gelados e sentir prazer, em vez da tristeza súbita de reparar que o gelado acabou cedo demais. Financeiramente há uma forma muito direta de fazer isto: gastar mais em matéria prima e menos em campanhas publicitárias tóxicas.
Garibaldi