Ainda há bolas de berlim? - perguntei ao ligar para o Goela. Há mas não estão grande coisa. - respondeu-me o João.
Trinta minutos depois o nosso pedido toca à campainha: - Trouxe-te uma bola de berlim de oferta, só para veres como não estão grande coisa.
Com o João é simples assim. Na comida como na vida, o gosto em ver feliz quem o rodeia parece que norteia tudo o que faz. Tudo o que há de mais importante a saber sobre o chef João Ribeiro e o Goela traduz-se neste pequeno diálogo, na sua transparência desconcertante, na sua generosidade sem limites, no seu sentido de humor, na sua paixão por partilhar o que faz com amor. E fazer um menu semanal, semana após semana, depois de mais de um ano de casa, é partilhar amor em doses inqualificáveis.
Muito antes do take away se transformar num fenómeno a requerer a nossa atenção, João Ribeiro apostava tudo numa pequena cozinha na rua do Mendi, o restaurante indiano mais antigo da cidade do Porto. A primeira vez que lhe perguntei sobre o que seria a sua cozinha ele respondeu de forma sucinta: - Pá, vai ser comida random de conforto. Nenhuma pessoa especialista em branding e marketing pessoal poderia ter desenhado melhor o perfil de um restaurante alinhado com o João e com a forma como se relaciona e projeta no mundo. Há um lado aparentemente aleatório nos seus menus onde podemos encontrar ofertas gastronómicas com inspirações dos vários cantos do mundo. Há algo intrínseco comum em todos os pratos - equilíbrio, surpresa e conforto. A palavra “delicioso” é provavelmente do mais clichê que podemos ter quando escrevemos sobre comida, mas sinto que se não disser o óbvio talvez não comunique aquilo que verdadeiramente gostaria de dizer. É que não há nada que o João cozinhe que não seja absolutamente delicioso. Tudo o que o João cozinha tem a capacidade de reconfortar a alma mais desconsolada, de restituir o ânimo do dia mais cansativo.
João Ribeiro estudou Gestão e Produção de Pastelaria na Escola de Hotelaria e Turismo do Porto. Imagino-o a ser uma mistura entre o aluno meio despassarado, trapalhão, talvez um pouco inseguro e certamente muito brincalhão e cheio de sentido de humor. Em 2016, quase sem nunca ter feito um churrasco na vida, foi abrir a cozinha do Terminal 4450 enquanto aprendia tudo o que podia com o chef Nuno Castro (Fava Tonka e Esquina do Avesso). Em 2017 saltou para a grelha do Muu Steakhouse e em 2019 para a gestão do Tascö.
Em Janeiro de 2020, pulsão de todas as horas dedicadas a sonhos e ideias, com uma vontade enorme de explorar uma cozinha livre de preconceitos, acessível a toda a gente, abre o seu primeiro projeto a solo - qual monge solitário no bosque. Se lhe ligarmos pelas 9h00 certamente estará já na fila da Makro. Às 12h00 só atende em alta voz porque o serviço não deixa braços para tudo. Às 15h30, entre limpar a bancada e o suor da testa consegue sentar-se dois minutos para um café e meio dedo de conversa. A partir das 18h00 o melhor é mandar mensagem, entre encomendas e entregas o mais certo é ele ter ligado os quatro piscas e estar prestes a tocar à campainha de alguém. Não sei se são sete os ofícios deste “one man show” mas sei que o Goela merece a nossa atenção. É comida sem a mania, tão aleatória quanto reconfortante, tão deliciosa quanto surpreendente, tão autêntica como o João. Ah! E aquela bolacha é mesmo a última bolacha do pacote. Já a bola de berlim naquele dia, não estava mesmo grande coisa. O João tinha razão.
Anita