Hoje trago-vos uma confissão. Tenho andado por aí a exibir a minha horta-bidão com uma fanfarronice de agricultora contemporânea. A verdade é que a horta não é minha. Dói, mas é a verdade. E a vocês, caras leitoras e leitores, dar-vos-ei sempre toda a verdade.
A história começa assim:
Durante anos, a agricultura foi para mim o verbo “colher”. A minha avó materna, agricultora toda a vida, sempre teve uma horta imponente. Tudo em redor da sua casa é lugar para semear, plantar, regar e colher. Visitá-la é saber que nunca se regressa sem um braçado de couves, sem o regaço carregado de laranjas ou sem a salsa mais fresca. Com 8 anos, sentada no degrau das escadas que davam acesso ao tanque e às árvores de fruto, aprendi a “desbulhar” favas - qual ninja das leguminosas -, a comer kiwis à colher e a saber distinguir as nabiças dos grelos.
A minha mãe, que sonhava ser pastora, acabou por se formar como educadora de infância. A vida trocou-lhe o rebanho e a agricultura virou ocupação dos tempos livres. Aos 12 anos pus as minhas primeiras cascas de ovo num compostor e descobri na agricultura biológica o passo 2.0 para lutar contra o desperdício. O nosso calendário passou a guiar-se pelo almanaque e os eventos mais importantes passaram a ser ditados pelas frutas da época. Na apanha das cerejas perdi o medo das alturas e nas vindimas percebi que pisar uvas traz mais comichões do que fazer a depilação a cera.
E agora que me lêem talvez se indaguem sobre a minha horta. Aquela que, de geração em geração, vai deixando sementes. Eis a confissão que vos prometi: a agricultura não é para mim. Vocês sabem que a vossa Anita é cheia de pressas e sofre dos nervos. Talvez até saibam que, quando adolescente, me diziam que andava sempre a correr de um lado para o outro. Será que já nasci com pressa? É que só de imaginar que estou atrasada, ou que estou a perder tempo, já me palpita a alma mais do que me saliva a boca pelas nectarinas que agora se colhem. Eu não sei se aprendi a esperar, ou a ter calma, mas sei que a paciência devia ser plantada e produzida todo o ano em doses industriais.
E vocês, leitores/as que atentam nas minhas palavras, perguntar-se-ão: mas então, porque raio tens tu uma horta num bidão? Porque tenho um Garibaldi sob o mesmo tecto e esta modesta residência que co-habitamos tem um pequeno terraço. Ainda não sei se é sorte ou castigo mas o homem sonha com uma horta desde que o conheço. E é óbvio que nessa fase de campanha pelo engate eu alimentei o sonho: - Sim, claro que sim meu amor. Vamos ter alfaces e pimentos e colher os nossos alimentos. Se eu soubesse o que sei hoje tinha era estado caladinha.
Garibaldi, homem dotado deste atributo que em mim não fez qualquer paragem, tem a paciência de um monge - um monge das hortícolas. Se for para plantar ou colher eu sou toda “mãos à obra”, mas o resto aborrece-me. Regojizo-me diariamente por saber que há alguém feliz por fazer tudo aquilo que para mim seria um suplício. Regar, cuidar com o devido decoro, cautela e paciência, aparar aqui e acolá, afastar as pragas, as formigas, e sei lá mais o quê, a bicheza está sempre a aparecer.
Como devem imaginar desenvolvi uma relação mais afável com as alfaces do que com os pimentos, dou-me bastante melhor com as acelgas do que com as curgetes. As hortícolas mais despachadinhas ganham logo a minha afeição. É que a terra sempre foi uma constante na minha vida, mas a paciência não.
Anita