Melhor de sempre.

12 de Junho, 2022

Melhor de sempre.

“Para ti, qual é a melhor francesinha?” - perguntam-nos frequentemente. Anita ri-se porque já sabe a resposta que dou, invariavelmente - “Não acredito no conceito de melhor francesinha”. Ao longo do tempo, esta descrença na obsessão pelas medalhas de ouro gastronómicas tem-se vindo a alastrar a quase todos os pratos e ingredientes.

O que é que alimenta a obsessão das pessoas pelo melhor espécime de tudo? Importa, logo à partida, não confundir o que é favorito com o que é melhor. E aí reside a sobranceria da ideia de melhor. Ao definirmos algo como A melhor ou O melhor, atribuímos uma total soberania à nossa opinião pessoal. Mas quem sou eu para definir tal coisa? Terei em mim todo o conhecimento do mundo? Ou, à semelhança da religião, queremos simplesmente sentir a segurança oca de não estarmos a perder nada de mais importante e ficarmos protegidos nessa cegueira?

“A felicidade não é a meta, é o caminho” - dizia o Maze. Porque havemos nós de desperdiçar a possibilidade de uma longa jornada a provar mais e a provar diferente? Mais uma vez, o medo do desconhecido? Ou o medo da desilusão? Dizerem-nos para ir comer a melhor cabidela e numa garfada percebermos que o frango parece borracha e não há vestígio nenhum de vinagre. É doloroso, eu sei. Mas para reconhecermos o que é bom temos de conhecer o que é mau. Senão, podemos acabar a achar que o cartão canelado que comemos toda a vida é a melhor massa folhada à face da Terra ou que todas as omeletes que saem de uma sertã são leves almofadas francesas.

O conceito de “melhor x” é algo bastante útil ao turismo e ao capitalismo. A primeira coisa que faço quando estou comprador seja do que for é abrir o google e pesquisar “best coisa-que-quero-comprar” para de seguida mergulhar de cabeça em mares de listas e descobrir não qual é a melhor mas sim qual a que se encaixa melhor nos meus parâmetros de necessidade e decisão. O mesmo faço quando quero procurar hotéis e restaurantes em lugares que nunca visitei. Mas essas pesquisas trazem-nos uma visão limitada. Caímos numa falácia semelhante àquela que não reconhece que o formato documentário não é sinónimo de verdade mas sim da visão de alguém. E muitas vezes essa visão não é disruptiva, está em conformidade com o status quo.

Misturar este status quo com a hegemonia do conceito de melhor resulta num cocktail que pode bloquear o caminho até à perfeição. É outro conceito utópico mas persegui-lo dá bons frutos, como nos mostra o povo da terra do sol nascente. No Japão, passam a vida inteira a aperfeiçoar os objetos dos seus ofícios. Por cá, uma forma de status quo previne-nos de elevar a nossa gastronomia - o peso da tradição, ou por outras palavras, a forma como sofremos peer pressure de pessoas que já estão mortas. Estou longe de ser um abolicionista da tradição, até porque acredito com muita força que devemos escavar o passado para trazer o que a história esqueceu, mas fujo como um gato das águas gélidas do “é assim porque sempre foi assim”.

Podíamos ser mais como os japoneses, porque só assim é que partimos de uns aceitáveis peixinhos da horta para chegar a uma perfeita tempura.

Garibaldi