Sou devota de métodos. Faço a apologia do método como quem louva às Deusas da Pastelaria Francesa.
Há metodologias melhores do que outras, há quem as ame e quem as ignore. Há quem segmente o prato na hora de comer, os deixe limpos e sem indícios de crime. Há quem devore primeiro um só ingrediente, ou misture tudo sem o mínimo zelo, e consiga a proeza de espalhar vestígios por toda a mesa.
Gosto de eficácia e principalmente de eficiência. Fazer as coisas da melhor forma no menor tempo possível, gastando apenas os recursos necessários, gerindo com o mínimo esforço somente a energia e tempo exigidos.
Formei-me numa área onde é bom sair da norma, romper a convenção e quebrar a rotina. Estudei ininterruptamente para aprender a lidar com o imprevisível, a venerar o erro e a idolatrar a falha. Talvez por isso me tenha agarrado às rotinas e às sequências. Uma prática vital para ter uma falsa sensação de segurança que me permita continuar a arriscar.
Quando tenho um prato de comida à minha frente, coreografo cada dentada para que o clímax chegue no fim. Escolho de forma cirúrgica os ingredientes que levo à boca, deixo para o fim as minhas partes preferidas ou um pedaço de cada elemento, criando o memorável perfect bite.
Garibaldi, pelo contrário, é adepto do freestyle. Mistura estilos e tempos, linguagens e estéticas, explorando todos os espaços vazios do prato. A sua interpretação pós-dramática resulta em comida espalhada entre o prato, a barba e a camisa. O seu método é recusar qualquer metodologia e deixar-se levar até que o fim da refeição o surpreenda.
Como é que alguém é capaz de cometer a atrocidade de comer a gema do ovo mal inicia a refeição? De levar logo à boca o pedaço mais suculento do bife? De fazer desaparecer o nigiri mais apetecível ainda a travessa vai a meio?
Desiludida com tanto desprezo pela organização na hora de comer, decidi ir afogar as mágoas observando o meu guru da comida para levar. É o homem da minha vida. Chama-se Francisco Brito e é o mestre da cirurgia do serviço de takeaway da Churrasqueira A Chaminé. São 20:54 e estou há dez minutos em plena hipnose nesta masterclass de composição coreográfica.
Enlaça um saco de broa usando apenas articulações e impulsos. Usa todo o seu corpo sem tensão e sem esforço, faz rodar as caixas que acomodam as batatas enquanto aperta suavemente o papel que as cobre. Três minutos de performance e está servida uma dose de bifana. A batata vem à parte, por uma questão de método, claro. O molho é agradável mas está frio para mergulhos, estas batatas merecem ser molhadas faseadamente ao gosto da freguesa.
O Senhor Brito é a alma deste espetáculo, a sua interpretação gloriosa faz-me acreditar que seria incapaz de comer o arroz primeiro, sem lhe misturar nem uma garfada de filete (como tenho visto por aí). Quem domina assim a arte de embalar comida há-de respeitá-la também no prato.
Garibaldi, aprecia o caos no prato como quem viaja sem destino. No prato é livre e aventureiro mas na vida é pouco fã de ir à descoberta fora da mesa. A vossa Anita, aceita qualquer proposta que envolva adrenalina e pressagie o imprevisível mas é incapaz de comer uma garfada sem a proporção equilibrada de todos os ingredientes. Já vi separações por menos. E nem a máxima dos “opostos que se atraem” me alivia a angústia de ver Garibaldi a comer.
Entretanto, vou sonhando com Senhor Brito que nem é nada se deixar na borda do prato. É até aquela dentada que merece ficar para o fim. E havendo audição para um solo de perfomances metódicas, temos escolhido o intérprete.
Anita