Há chavões que o são por alguma razão. A comida da mãe é a que sabe melhor à prole, mais que pela qualidade da mesma, pelos pilares emocionais em que assenta o palato. A nossa francesinha favorita está muitas vezes ligada à primeira francesinha que comemos na vida, o seu sabor e características técnicas balizam aquilo que nós consideramos uma boa francesinha daí para a frente. Como os cozinhados da mãe serem (quase) sempre os melhores porque tudo o que doravante comemos foi uma instância diferente desses mesmos cozinhados, sem a ligação emocional ao sangue do nosso sangue. Talvez essa avaliação seja toldada pela emoção porque certamente muitas mães seriam arrasadas perante um painel de provadores às cegas. Não no caso da minha mãe, asseguro.
A minha mãe é uma cozinheira daquelas cujos pratos se cravam na memória. A casa dos meus pais sempre teve as portas abertas para os meus amigos e para os amigos do meu irmão, o que fez com que muita gente guardasse com especial carinho vários dos pratos ali servidos. As redes sociais ajudaram a cimentar esse encanto pela cozinha da Rosa do Aguarela.
Falo sempre à boca cheia (pun intended) do que a minha mãe cozinha, por isso é natural que Anita se sentisse em pé de desigualdade logo à primeira oportunidade de cozinhar para mim. Mas, qual predador do reino animal, identifico o medo pelo cheiro e uma pequena gota pode estragar o melhor dos estufados. Até há pouco tempo, e apesar de tudo estar bem pensado, bem preparado, bem cozinhado e muito bem apresentado, houve sempre esse tempero em tudo o que Anita cozinhava. Como um atento olheiro que já viu cozinhar dezenas de talentosos jogadores do terreno gastronómico, eu sabia que havia em Anita a capacidade de impressionar e que só tardava por falta de confiança. Com paciência e amor fui alimentando nela essa ideia, imprimindo confiança como uma Casa da Moeda afetiva. E sim, eu sei que às vezes sou implacável e insensível... Mas a honestidade pode libertar e a poeira da crítica pode assentar num poderoso cubinho knorr que eleva um caldo sensaborão a um demiglace.
Aos poucos, Anita foi interpretando o papel de caça fantasmas no seu próprio thriller na cozinha, pulverizando os assustadores vultos dos cozinhados da sogra com sólidas criações, da pastelaria à cozinha internacional. Hoje, apesar de ainda irmos frequentemente buscar carinho embalado ao Takeaway da Rosa, cozinhamos um para o outro com amor, com muita vontade de cozinhar (e ser) cada vez melhor. Um dia, Anita haverá de se tornar na sogra cujos cozinhados hão-de aterrorizar alguém.
Garibaldi