Há uma grande luta entre nós quando estamos no sofá a escolher filmes para vermos juntos. Ambos queremos ver coisas que nenhum de nós tenha visto, puro altruísmo para não desperdiçarmos o tempo um do outro. Isso gera sempre uma situação de braço de ferro cada vez que tentamos mostrar ao outro um filme que já vimos e adorámos. A minha primeira grande conquista foi com o filme Estômago. Realizado e escrito por Marcos Jorge, a partir do conto Presos pelo Estômago do livro Pólvora, Gorgonzola e Alecrim, do autor Lusa Silvestre, é uma obra prima do cinema brasileiro.
Em Estômago, a comida é representada, acima de tudo, como um instrumento de poder. Marcos Jorge subverte o estereótipo do nordestino que emigra para a cidade, por norma retratado no cinema brasileiro como um falhado, e transforma Raimundo Nonato (uma fantástica e premiada interpretação de João Miguel) num quase herói que se apercebe do poder que a aptidão culinária lhe oferece, conquistando todos através do que cozinha. Mostra também, através de Nonato, que o poder transforma e corrói as pessoas. Estômago tem também um olhar pedagógico sobre a gastronomia. Ao longo do filme são várias as passagens em que são explicadas receitas, técnicas culinárias e segredos para melhor utilizar certos ingredientes. Como prenda para os fãs desta obra, no site podemos encontrar um ebook com todas as receitas dos pratos que figuram no filme.
Um desses pratos é, pasme-se, Anita e Garibaldi. Dado a conhecer a Nonato por Giovanni, que lhe ensina a mestria da técnica e a magia dos ingredientes na cozinha, Anita e Garibaldi é uma versão adaptada do clássico Romeu e Julieta, história de amor gastronómico que partilhamos através do Atlântico. Giovanni é um italiano radicado no Brasil há muitos anos, e na sua criação Anita é a goiabada, doce e democrática, Garibaldi é o gorgonzola, estonteante e por vezes elitista.
Em outubro, durante uma viagem gastronómica aos Açores, embuídos pela inspiração que trazíamos do curso de escrita e cultura gastronómica O Homem Que Comia Tudo No Porto, do Ricardo Felner, sentimos que era o momento certo para criarmos algo em conjunto. Como ainda não nos sentimos prontos para ser pais e eu ainda não comprei os vasos certos para plantar algo no nosso terraço, sobrou-nos o livro. No caso, um blog de escrita gastronómica. Dois apaixonados pela gastronomia e pelas palavras que se querem desafiar e criar algo diferente, ter uma nova ferramenta de expressão pessoal e criativa. E o nome? Teria de ser algo gastronómico mas não óbvio. Algo com que nos identificássemos e que nos identificasse. Somos um ótimo complemento um do outro. Eu tendo a ser mais conciso, factual e por vezes mordaz, ela é mais idealista, poética e gentil. Somos diferentes, cada um tem o seu valor e juntos somos elevados a outro patamar. Queijo e marmelada. Mas isso é tão óbvio, não é? Anita e Garibaldi!
Como em qualquer batismo, o primeiro passo é ir ao registo notarial, ups, ao Google, para ver se há homónimos. Os resultados trouxeram uma camada de conhecimento que cimentou a escolha. Anita e Garibaldi assentava-nos como duas vestimentas de gala feitas à medida. Aí percebi a motivação de Giovanni para o nome do seu Romeu e Julieta em Estômago. Ana Maria de Jesus Ribeiro e Giuseppe Garibaldi, Anita e Garibaldi. Garibaldi era um italiano exilado no Brasil, comandante da marinha farroupilha. Em Laguna conheceu Anita, uma portuguesa, natural dos Açores. Apaixonaram-se e Anita deixou tudo para trás para se juntar ao seu amor e lutar em várias revoluções na América do Sul e depois em Itália. Tal como Anita e Garibaldi, eu já lutava no mundo gastronómico e nela sempre houve a urgência em dar voz a causas. Ambos sentimos um ímpeto por marcar uma posição e por sermos socialmente progressistas (digo socialmente porque gastronomicamente admito ainda há algum conservadorismo em mim). Não vamos fazer crítica gastronómica, vamos trazer a público as nossas conversas e experiências. Ora com suspiros à mesa, ora com murros no estômago, queremos despertar o apetite por mais.
Enquanto me preparava para escrever este texto, reparei na sugestão do Google, via imdb - Anita e Garibaldi, um filme brasileiro de 2013, em que o compositor da banda sonora é Arrigo Barnabé. Como se precisássemos de mais sinais.
Garibaldi