Quero isto mas sem aquilo.

14 de Outubro, 2021

Quero isto mas sem aquilo.

Grande parte do gozo em ir a restaurantes é observar as pessoas. Passo o tempo a piscar o olho ao prato da vizinha a ver se a sua escolha é melhor do que a minha.

Na maior parte destes lugares que servem comida é-nos apresentada uma lista. E nós, gente espertalhuda, temos sempre qualquer coisinha para dar de troco. Nunca estamos bem com a vida e queremos escolher "isto mas sem aquilo".

Francesinha sem enchidos; sem queijo; sem tampa; sem molho. Hambúrguer sem pepino; sem molhos; sem carne. Batatas com molho, batatas sem molho, sopa sem batata, bife bem passado, bife mais bem passado ainda, couves bem cozidas, peixe sem sal, tosta mista sem fiambre, cogumelos em vez de frango, arroz em vez de salada, salada em vez de batata, batata em vez de legumes. Perguntamos "acompanha com quê" só para trocarmos as voltas à montanha russa e pedirmos tudo à nossa medida.

Quantos de nós não tiveram já o impulso de entrar no Manna e perguntar se dá para grelhar um bifinho, de criticar o David Jesus por ter um peixe do dia no "fora da carta", de exigir à Ana Leão que retire o labneh de um prato de cenouras e labneh, de demandar uma tosta mista no Empório Bichara e de sair de rompante do Shiko por não nos servirem um salmão grelhado com batatas fritas?

Se há quem acredite que o cliente tem sempre razão, também há quem perceba que a despensa de um restaurante não é um corredor da Makro. Na minha visão ingénua do mundo quando vou a um restaurante estou sujeita às opções disponíveis.

Os restaurantes são muito mais do que lugares onde se serve um prato de comida. Pensam na cozinha com quem cria um diálogo. Às vezes fala mais alto o produto, outra as contas que precisamos fazer à vida. Volta e meia levanta a voz a estação, a escassez ou abundância. As coisas mudam a par do tempo, a favor ou contra a corrente. Há testes, experiências, escolhas e decisões. Há palavras escritas para que também nós possamos escolher e decidir na hora de levar o garfo à boca.

Será que estarmos no papel de quem consome, de quem come, nos confere um lugar onde podemos exigir glúten free, lactose free, sugar free, animal free? Será presunção ou idealismo achar que podemos ir comer a um restaurante e replicar o "faça você mesmo" que temos em nossa casa? Serão as nossas alergias, restrições, doenças, intolerâncias, opções, convicções, um problema para a restauração? Será a "ditadura do consumidor" a forma mais equilibrada de nos encontrarmos em comunidade e comermos com a única preocupação de pagar a conta no final?

Se houvesse respostas nesta que vos escreve, este blog não existiria. Também a mim me dá ganas de fazer aquele olhar de mansinho de quem se prepara para pedir, com muito jeitinho, um ovo estrelado só para compor o repasto. Faço perguntas pela urgência de encontrar respostas. Se alguém as tiver que se sente à minha mesa, o comer fica por minha conta.

Anita