Toda a gente sabe e ninguém quer ver.

17 de Julho, 2022

Toda a gente sabe e ninguém quer ver.

Unhas sujas. Queimaduras no antebraço. Caixote do lixo aberto. Panos imundos. Tachos a bater. Exaustor a funcionar. Cheiro a fritos. Fumo e fogo. Dedos, pensos e luvas.

Num restaurante, a vida atrás do balcão é muito parecida com a das nossas casas. Faz-se lixo, suja-se panos, acumula-se restos de tudo nas unhas, lava-se as mãos dezenas de vezes, parte-se copos, apanha-se os vidros e reza-se para não ter ficado nenhum, acumula-se loiça por lavar, pinta-se o avental com nódoas sem sabermos de quê, corta-se um dedo e estanca-se a ferida.

E também há diferenças. É um trabalho, ganha-se menos do que se devia, faz mais calor do que se queria, aguenta-se as tendinites, as dores na lombar e o pulso que dá de si há dois anos. Cozinha-se, põe-se a mesa, serve-se em ritmo acelerado, com rigor e muita pressão. Arranja-se uma fita para travar o suor da testa, tem-se sempre um sorriso à mão e esconde-se tudo o que a clientela prefere não saber. É um “longe da vista, longe do coração”.

Um passo em falso e lá se foi a gorjeta a caminho de uma má review.

Queremos que os talheres continuem a chegar à mesa num saquinho de papel como se eles se enfiassem lá dentro sozinhos. Queremos mais álcool gel que a pandemia ainda não acabou e higiene acima de tudo. Mas de manhã deixámos cair a torrada ao chão e usámos a regra dos três segundos.

Entramos num restaurante e queremos que tudo seja polido, arrumado, imaculado e aprovado pela Instituição de Verificação de Espaço Apto a Cliente que Sabe Mas Não Quer Ver. Queremos a vida toda decorada a pinça com o dedo mindinho a apontar na direção da hipocrisia. Escondam o caixote do lixo, guardem os panos de cozinha e fechem a porta da arrecadação. Os restaurantes têm que ser lojas de decoração onde se vende comida sem vermos o tubo da exaustão.

Romantizamos a profissão e só temos olhos para o empratamento. Queremos a comida sobre a mesa e a verdade atrás do balcão.

Anita