Diogo Novais Pereira, de 33 anos, é o chef do restaurante Porinhos, em Fafe. Em 2019, Diogo trocou Lisboa pelo Minho para assumir a cozinha do restaurante aberto pelos pais, em 1992, onde tenta inovar respeitando o receituário tradicional português que está na sua base. Estudou na Escola de Hotelaria e Turismo do Porto, estagiou no DOP, no Porto, e no El Club Allard, em Madrid. Em Portugal, passou pelas cozinhas do Casa Torta, em Guimarães, do Oficina, no Porto, e assumiu o cargo de chef-executivo do grupo My Story Hotels, de 2019 a 2021.
Quando é que começa a tua jornada na cozinha?
Eu praticamente fazia tudo no restaurante dos meus pais [o Porinhos], e sempre gostei de comer. Por necessidade, comecei a ajudar na cozinha, era lá que me sentia bem. Por volta de 2012, a Câmara Municipal de Fafe lançou um curso de HCCP para os restaurantes se atualizarem, e fui tirar essa formação. Um dia, a formadora levou-me à escola de hotelaria. Achei interessante e inscrevi-me. Tinha 18 anos e era tudo novo. Sabia comer e sabia como é que as coisas se faziam, mas nunca pensei em aprender a picar uma cebola. Comecei a estudar e as coisas começaram a funcionar. O estágio no DOP foi o meu primeiro contacto com um restaurante diferente. No ano em que o DOP abriu, entro na cozinha e percebo que aquilo era outra coisa, não tinha nada a ver com os nossos restaurantes de casa.
E como foi esse desafio?
Gostei bastante. Mas, depois do estágio, fiquei lá mais uma temporada, e senti que não sabia nada, apesar de o chef puxar por mim. O chef [Rui Paula] tinha vindo do El Celler de Can Roca e dizia coisas que eu não entendia. Eu tinha destreza para estar em frente ao fogão, e para resolver, porque os outros me diziam como fazer. Comecei a pensar nisto e voltei à escola de hotelaria para me formar em Gestão e Produção de Cozinha. Depois vieram os concursos, e no Mundial de Cozinha, em Valladolid, vi o Diego Guerrero, e ele suscitou-me interesse. Quando terminei o curso decidi ir para Madrid, com 19 anos, e entrei no El Club Allard, na altura, com duas estrelas Michelin. Vi uma realidade diferente, e percebi que quando estás com pessoas criativas, pensas de forma criativa. Só que isto tinha um problema porque era difícil pôr sabor na criatividade. O Marco Gomes ensinou-me a pôr técnica no sabor. Essa evolução ajudou-me a chegar a Lisboa [ao grupo My Story Hotels], como chef-executivo. Quando abrimos o restaurante italiano, chamamos o chef Augusto Gemelli e eu aprendi muito com ele. Fiz formações de pastelaria e uma de chocolate, com o Jordi Cruz.
O regresso a casa aconteceu naturalmente?
Sim. Um dos grandes desafios pessoais foi perceber que tinha 30 anos e que não havia mais nada para além da cozinha. Eu meio que sabia que ia voltar, porque era onde eu me sentia bem, mas não sabia quando. Achei que estava na altura de fazer isto para mim. Não só cozinhar e criar, mas também gerir. Também regressei porque tinha saudades, foram 12 anos fora.
Acho que o maior desafio está fora dos restaurantes, em termos de saúde física e de saúde mental.
Quando regressas a casa, começas a trabalhar com os teus pais. Como é trabalhar com alguém tão próximo?
Tem os dois lados. Quando estamos a trabalhar somos uma equipa, mas fora cada um ocupa a sua posição, de pai, mãe e filho. Eu vou dando ideias e eles aprovam ou não. Dentro da cozinha, estou com a minha mãe. Ela já fazia aquilo e agora chega alguém e começa a mudar… Às vezes, criam-se resistências, mas tu vais mudando, a pessoa vai-te deixando, aceitando, e acaba por ganhar confiança em ti.
Como é que se inova num restaurante que é uma referência da cozinha tradicional portuguesa?
Aqui é que eu acho que é o ponto de viragem, porque acredito que a inovação é aquilo que nos faz evoluir. O restaurante é uma referência porque tem consistência, mas é preciso inovar dentro dela. Um restaurante com trinta anos significa que tem três gerações de clientes, igualmente exigentes, que vão dando feedback.
Não é a tendência de mercado que dita aquilo que faço, são os clientes.
E vou inovando aplicando técnicas, fazendo caldos, introduzindo a parte vegetal, suavizando o papel da proteína. As pessoas comem, gostam e sentem-se bem quando comem e depois de comer.
O que te levou a lançar os jantares temáticos?
Eu utilizo os eventos como um barómetro. No caso, escolhi as sete ou seis proteínas que as pessoas já identificam do restaurante, e trabalhei-as de outras formas, para perceber a aceitação. Levou-me a perceber que não estou a perder a tradição, estou a fazer diferente e as pessoas estão a gostar. Por exemplo, a minha avó estufava os miúdos do tamanho de um dedo, a minha mãe estufa do tamanho de meio dedo e eu fi-los desaparecer num patê, mas o sabor continua lá. É uma evolução natural. Nós não comemos como os nossos avós comiam. Sabemos que a nossa dieta deve ser vegetal, então a geração mais jovem vai ensinando isso aos pais, como os pais deles os ensinaram. Isso também acontece connosco, eu vou cozinhando, o pessoal da minha geração vai gostando e trazendo os pais, os avós.
Afirmas que os jantares temáticos têm por base, entre outras preocupações, “a sustentabilidade, o consumo consciente, o respeito pelo produto, a valorização do produto, a pegada ecológica” e a “adaptação ao meio envolvente”. Como é que percecionas a sustentabilidade, usando proteína animal?
Para mim, sustentabilidade é utilizar toda a parte de todos os animais. É por isso que eu não tenho uma carta fixa. Não se pode falar de sustentabilidade quando utilizas uma parte de um animal constantemente. Por exemplo, no Meating (jantar de tributo à vaca) usei aquela gordura amarela para fazer manteiga de vaca, e também faço uma parte de gordura de vaca com azeite para pincelar as carnes. A banha de porco é derretida para cozinhar os rojões. Os nossos avós já faziam isto e garantiam a subsistência de uma casa assim. Outro exemplo: eu tinha dificuldade em encontrar enchidos mas, na altura do carnaval, como tivemos de consumir mais porco inteiro, e eu precisei da parte de salgar, que tem osso, acabei por usar a carne para fazer enchidos.
Com que ingredientes é que estás a gostar de trabalhar?
Repolho, ervilhas de quebrar, feijão novo e cogumelos. Introduzi os cogumelos no ano passado, de uma produção controlada. Este ano já arranjei cogumelos de monte. Estou a conservá-los e a desidratá-los no forno a lenha. Ficam com sabor de assado.
Qual é o prato mais pedido no Porinhos?
Um prato que é comido em horas diferentes, por pessoas diferentes. Eu faço vitela assada no forno todos os dias. As pessoas com mais idade gostam de comer a vitela ao meio-dia, quando ainda está um bocadinho verde, tostadinha por cima e suculenta por dentro. O pessoal da minha geração gosta de comer a vitela às duas da tarde, porque teve mais duas horas de forno e come-se à colher. É o mesmo produto que em tempos diferentes atinge duas gerações.
Que futuro vês para o Porinhos?
Eu gostava que o restaurante continuasse assim, geracional. Que as pessoas continuassem a vir e a descobrir este tipo de cozinha.
O que eu tento fazer é procurar a evolução de um restaurante tradicional, que faça as pessoas felizes.
No ano passado, ficaste em terceiro lugar no concurso Chefe Cozinheiro do Ano [agora, Chefe do Ano]. O que te levou a inscreveres-te novamente este ano?
É um desafio pessoal. Quando estás ali, com os teus colegas e com o júri, aprendes muito. É essa busca pela aprendizagem, por aprender com os melhores, por estar com os colegas que têm outras culturas, trabalham de outra forma. É muito bom partilharmos isto uns com os outros.
Que conselho darias a quem se quer estrear nesta área?
Isto é uma forma de estar na vida. É um trabalho, não é a vida toda, mas a tua vida move-se muito em função disto. Tem que se ter paixão, sentido crítico, acreditar que se consegue e nunca desistir. Quando as coisas correm mal, é preciso parar, respirar e começar outra vez. Não é uma área fácil, requer energia. Mas é muito gratificante superar os limites ou aquilo que tens na cabeça.
E o que é que tu mais gostas de comer?
Tudo, mas há um prato especial que a minha mãe fazia quando eu chegava a casa. É o bacalhau recheado. Gosto tanto que lhe fiz uma homenagem e chamei-lhe Bacalhau à Albertina. É muito guloso. Leva cebola, alho, louro, pimentão-doce e batatas-fritas.
Onde é que levarias a jantar a equipa do Canal Pança?
Leva-vos a fazer um piquenique. Era giro ver o que é que cada um trazia. Gosto muito de estar na natureza, é tranquilo, fazes o que queres.