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Diana Barnabé e Tiago Lessa: “Queremos materializar o que acontece na cultura gastronómica e contar as suas histórias”

Diana Barnabé e Tiago Lessa: “Queremos materializar o que acontece na cultura gastronómica e contar as suas histórias”

Tal como uma receita, o Estúdio Cozinha também foi sendo afinado ao longo dos anos. Tiago Lessa, fundador e fotógrafo da agência de comunicação sediada em Leça da Palmeira, e Diana Barnabé, diretora executiva e criativa, revelam como tudo começou e os desafios que surgem pelo caminho. Nesta conversa abordam ainda como mantêm uma relação saudável com os clientes e o que ambicionam para o futuro.

1. Como surge o Estúdio Cozinha?

Tiago: Eu comecei por fotografar e fazer vídeo, de forma profissional, para fins institucionais e para artistas de música. O motor para começar a fotografar comida deu-se na primeira edição física dos prémios Flavors & Senses, em 2014, quando fotografei o evento. Antes disso, eu já fazia imagens de comida, mas apenas para as minhas redes sociais. E muita gente dizia que eu tinha um olhar guloso, que as minhas fotos faziam salivar. Depois de dois anos a fotografar o evento, em 2016, fui contratado para fotografar vários restaurantes no Porto. Posteriormente, fui convidado a gerir as redes sociais desses espaços. E a partir de certa altura, eu queria expandir e não só fazer fotografia para restaurantes, queria criar conteúdo e fazer vídeos. Senti que devia criar uma marca para potencialmente se tornar uma empresa, a partir da qual eu pudesse fazer esses trabalhos. Surgiu então a marca Estúdio Cozinha.

2. De onde veio a inspiração?

Tiago: A inspiração visual - e até verbal - para o nome surgiu depois de ver making-of de programas do Jamie Oliver, onde havia um espaço com cozinhas e uma equipa gigante a trabalhar, de um lado, e do outro, ele estava a filmar. O branding do Estúdio Cozinha foi pensado pelos Another Collective.

3. Diana, quando é que te juntas ao Estúdio Cozinha e como é que a tua área de formação, o Teatro, enriquece o teu trabalho enquanto diretora executiva e criativa da empresa?

Diana: No verão de 2020. O que eu trago do teatro é a experiência de produção, de desenvolvimento de projetos criativos, de contar histórias, de lidar com pessoas e geri-las. Aquilo que eu sempre fiz em teatro foi construir, criar e juntar pessoas para contar histórias. Atrai-me juntar pessoas em torno de uma ideia e concretizá-la, dar corpo a uma história.

O que eu trago do teatro é a experiência de produção, de desenvolvimento de projetos criativos, de contar histórias, de lidar com pessoas e geri-las.

A realidade em Portugal, para a maior parte dos artistas, é que acabas por ter que produzir os teus próprios espetáculos, encontrar financiamento, juntar a equipa, organizar digressões, encontrar apoios e fazer pontes. Eu trouxe essa experiência. Acredito que o trabalho mais importante é o de gerir sensibilidades de pessoas muito diferentes, grupos heterogéneos e com desafios distintos.

Tiago: Eu acrescentaria a capacidade de transformar narrativas em representação física. E também a consciência do corpo e do movimento. Pode-se achar que, na fotografia de comida, isso é algo mundano, mas a forma como tu te colocas numa imagem, como as pessoas se representam é cinética corporal. É uma coisa muito importante e a Diana trouxe esse saber-fazer.

Diana: Às vezes o que estás a criar não é uma representação da realidade, é uma ilusão que permite a quem está a ver, sentir que está a ver uma representação da realidade. O que interessa é a perceção do público. Uma coisa que me perguntam é como eu consigo ver tudo. Eu estou muito treinada a observar. O lugar da encenação é um lugar de observação por excelência, é o lugar do público.

4. Houve vários desafios nos últimos anos, como a saída do Tiago do estúdio antigo e a necessidade de trabalhar a partir de casa durante uma pandemia global. De certa forma, esses obstáculos ajudaram ao desenvolvimento do Estúdio Cozinha. Como é que isso aconteceu?

Diana: Essa foi uma grande mudança. Foi necessário deixar o estúdio onde o Tiago estava porque financeiramente não era sustentável. Entre o primeiro estúdio (2012-2020) e o segundo (2021- ) foi na nossa cozinha que fizemos crescer aquilo que viria a ser o novo Estúdio Cozinha.

Uma grande vontade que nós tínhamos era de ter projetos mais criativos, e eu percebi que podíamos tê-lo ao trabalhar com marcas. Havia mais potencial para desenvolvermos projetos ligados à publicidade, conceptualidade e criatividade com as marcas. Durante a pandemia, ao mesmo tempo que apoiamos restaurantes que precisavam de ajuda para chegar aos seus clientes, trabalhámos comercialmente com marcas. Isso foi aquilo que nos aguentou financeiramente ao longo desse tempo. E, pouco a pouco, fomos crescendo. Nós tínhamos uma cozinha com um espaço de trabalho pequeno, e fizemos tudo o que vocês possam imaginar ali. Mas a dada altura, com o trabalho que tínhamos, a nossa casa já não era suficiente.

5. Quando é que surge o lugar ideal para o atual estúdio?

Diana: Começámos a ver lojas e foi muito rápido. Quando vimos este espaço, em Leça da Palmeira, era perfeito porque tinha luz natural, mas não tinha sol direto, portanto era bom para editar e para gravar sem reflexos. Era grande, tinha uma copa e estava numa localização sossegada.

De cima para baixo: primeiro estúdio; estúdio em casa; estúdio atual

6. Como é que foi o arranque no novo estúdio, em setembro de 2021?

Tiago: Foi a fazer o que precisávamos, com o pouco que tínhamos. E aos poucos, fomos reinvestindo e equipando o estúdio com o dinheiro que íamos juntando. Trabalhamos muitas vezes aqui num tampo de madeira com dois bancos de plástico e reunimos com clientes assim. Fizemos tudo. Foi a Diana que pintou os armários onde guardamos os nossos livros e todo o nosso material. Os primeiros meses foram uma continuação do crescimento que estávamos a sentir nos nove meses em que estivemos na nossa cozinha de casa. Durante esse período, mobilamos o estúdio aos poucos.

Diana: Há um vídeo muito engraçado no nosso Instagram, um time lapse de seis meses, que foi o tempo que nós demoramos entre alugar o estúdio vazio e conseguir ter a cozinha equipada. O estúdio não tinha nada, não tinha cozinha sequer. Eu ia cozinhar a casa e levava para o estúdio. Pedia ajuda à mãe do Tiago e ao João Ribeiro, do Goela, que também chegaram a cozinhar para nós fotografarmos e filmarmos.

Eu sempre tive muito orgulho em todas as fases do processo. O passo seguinte foi fazer crescer a equipa para conseguirmos dar resposta a necessidades concretas, porque nós fazíamos tudo.

O Estúdio Cozinha tem vindo a crescer, e atualmente a equipa nuclear é composta por cinco pessoas - eu, o Tiago, a Gabriela Adorno, a Ana Luísa Santos e a Leonor Raimundo - mas este crescimento deve-se a todas as pessoas que passaram por aqui, como a Marta Costa, a Inês Mendes, a Inês Graça, e às que hoje ainda colaboram connosco de forma regular ou esporádica, caso do André Reis, do Pedro Lopes, do Pedro Balazeiro, da Sofia Gama e da Rita Goulão.

7. De que forma ter uma cozinha no estúdio beneficia o trabalho?

Diana: Neste momento, já precisamos de duas cozinhas no estúdio, uma para ser cozinha de produção e cozinha de staff e outra para ser a cozinha de cenário das nossas filmagens [risos].

Tiago: Poupamos em cenários, permite-nos conhecer muito bem o espaço com que trabalhamos, e dessa forma arranjar soluções criativas para cada cliente. E, tendo em conta que trabalhamos com comida real, nunca a manuseamos de forma a que se torne desperdício ou apenas um prop. Como nós temos esse respeito, termos uma cozinha faz com que o momento em que as coisas são finalizadas, seja muito mais perto do momento em que são fotografadas, e isso permite uma maior frescura, uma menor necessidade de pós produção e, principalmente, evita desperdício. A questão do desperdício é muito importante. Nós não temos coisas não comestíveis nas fotos e nos vídeos, tudo pode ser aproveitado.

A questão do desperdício é muito importante. Nós não temos coisas não comestíveis nas fotos e nos vídeos, tudo pode ser aproveitado.

Diana: Sempre foi uma grande intenção desde o início de 2021, em que começámos a produzir cada vez mais comida no estúdio, a cozinhar cada vez mais e a produzir receitas para as nossas produções, evitar ao máximo o desperdício. E isso implica mantermo-nos fiéis a trabalhar só com comida real.

8. Que serviços tem o Estúdio Cozinha atualmente?

Diana e Tiago: Fotografia, vídeo, estratégia de comunicação, branding, copywriting, gestão de redes sociais, assessoria de imprensa, food styling e desenvolvimento de receitas.

9. Quando um cliente trabalha com o Estúdio Cozinha, há muito mais do que apenas os serviços contratados. A que é que os clientes também têm acesso?

Diana: À nossa entrega, disponibilidade e transparência. Acho que, mais do que a competência técnica e o conhecimento profundo sobre gastronomia, os nossos valores e a nossa forma de estar são um grande diferenciador no processo e no resultado final. Obviamente, também têm direito ao resultado de todo o investimento que fazemos na nossa equipa e no nosso envolvimento com o setor.

Tiago: Mais do que nos posicionarmos como uma agência de comunicação e produtora de conteúdos para gastronomia, o que nós queremos é materializar o que acontece na cultura gastronómica. Contar histórias de uma forma que seja intemporal.

Diana: Independentemente do tipo de cliente, do tipo de produto, da dimensão do projeto - seja um projeto que fazemos uma vez por ano ou todos os meses -, vai sempre seguir uma metodologia e uma ética de trabalho, de respeito, de integridade e de total dedicação. Em última análise, para além do respeito por aquilo que entregamos ao cliente, e que vai estar cá fora, também há o respeito pela nossa ética de trabalho.

10. Como é que se lida quando as coisas não correm como o esperado?

Diana: É com os desafios que nos podemos revelar mais perante o cliente. É muito difícil desistirmos. Tentamos sempre resolver os conflitos, encontrar soluções para os problemas de forma tranquila, gerir bem expectativas e definir limites claros. A transparência, a honestidade e a humildade, normalmente, são grandes aliados do nosso dia a dia. O nosso trabalho também é de mediar e de garantir que, no final, apesar de todas as circunstâncias, conseguimos encontrar alternativas e resolver as coisas de forma serena.

O nosso trabalho também é de mediar e de garantir que, no final, apesar de todas as circunstâncias, conseguimos encontrar alternativas e resolver as coisas de forma serena.

11. Quais são os projetos que vocês sentem que representam o Estúdio Cozinha?

Diana: Acredito que as colaborações que fizemos com a revista Farta, dos Another Collective e do Rafael Tonon, representam bem a nossa capacidade de falar, pensar e retratar a cultura gastronómica portuguesa. A forma como comunicamos tanto um grupo de restaurantes tradicionais, como um restaurante jovem, cosmopolita e democrático, ou um restaurante de fine dining de cozinha contemporânea, reflete bem a nossa versatilidade, não só na criação de uma identidade visual, como também numa voz literária que represente diferentes universos e que atinja determinados públicos-alvo.

Revista Farta, Edição 1 — Francesinha; Revista Farta, Edição 2 — Frango Assado

Tiago: Também projetos mais comerciais, projetos publicitários para marcas com a Mateus Rosé, representam bem a nossa capacidade de, a partir das referências do cliente, darmos corpo a essas ideias, de forma criativa, gastronómica e polida.

12. Em 2022, lançaram o Canal Pança, um projeto audiovisual independente ligado à gastronomia. O que o motivou?

Tiago: Quando comecei a trabalhar como fotógrafo freelancer, em 2016, já tinha vontade de ter um canal no YouTube. Isto porque no meu mestrado [em Realização de Cinema e Captação], entre 2012 e 2014, o projeto final incidiu na criação de dois episódios-piloto para uma série web sobre tascas do Porto, que nunca viu a luz do dia. E a Diana também já tinha produzido um episódio-piloto de um programa para televisão, centrado na gastronomia e nas conversas à mesa, que nunca chegou a ser transmitido. Como apreciadores de conteúdo em formato longo, decidimos avançar.

Making of do programa Especial de Natal, do Canal Pança.

Diana: A principal motivação foi o nosso gosto por aprofundar, desmistificar e contextualizar, e a possibilidade de trabalhar com tempo. Não só do ponto de vista técnico, mas também do ponto de vista criativo e crítico. Ter tempo para pensar, escrever, produzir, editar, e para definir como é que vamos construir estas narrativas.

13. O que ambicionam para o futuro?

Tiago: Gostava de trabalhar com mais projetos de design ligados à gastronomia.

Diana: Fazer mais projetos com pessoas que se dedicam à gastronomia, não necessariamente a fazer comida, mas a contribuir e a enriquecer de forma complexa e com diferentes camadas, com o seu saber-fazer nesta área. Também gostava que tivéssemos mais tempo e dinheiro para projetos independentes, como o blogue Anita e Garibaldi, o Canal Pança e outras ideias.

14. O que é que vos falta comer?

Tiago: As receitas que as avós portuguesas não deixaram escritas em nenhum caderno.

Diana: Comidinhas feitas pela minha equipa. Já que sou eu que cozinho quase todos os dias no estúdio. A Senhora da Cantina está cansada. [risos]

Ana Luísa Santos

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