Fui uma criança que não gostava de rabanadas. As que comia nos natais de família eram molengas e monótonas.
Enquanto crianças, fascinam-nos ainda mais as texturas estaladiças como as batatas fritas e a fruta. Porque haveria de gostar de um doce de Natal com textura de pão molhado?
Adorava molhar tostas com manteiga na cevada com leite, mas isso acontecia em meros segundos e conservava a estrutura do pão. As rabanadas que se comia em minha casa, eram fatias de pão demolhado que, apesar de serem fritas, ficavam horas e horas numa piscina de calda até ao momento da sobremesa.
Enquanto adulto, fui provando outras rabanadas e percebendo que todas as casas a fazem de forma diferente.
Crocantes, moles, fofas, estaladiças, grossas, finas, de leite, de chá, de vinho. Tive a sorte de ter uma mãe dada às experiências culinárias e isso permitiu que a própria representação da rabanada nos nossos natais fosse evoluindo.
Quando o Vasco Coelho Santos abriu o Euskalduna e criou a sua obra prima de rabanada, a ideia do que poderia ser uma rabanada foi ampliada. Quando o Nuno Castro abriu o Fava Tonka, usou a estrutura da rabanada para a sua versão da sopa de cebola. Todo um mundo se abriu e a comunidade gastronómica local bombardeava as redes sociais com a hashtag #confrariadarabanada. Até que o João Faria me lançou com o desafio “e se fundássemos mesmo uma confraria?”.
Juntos mergulhámos no mundo das burocracias e do movimento confrádico. A Olga Cavaleiro introduziu-nos aos conceitos e visitámos aquelas que seriam as nossas confrarias madrinhas - a Confraria dos Sabores Poveiros e a Confraria do Pão, da Regueifa e do Biscoito de Valongo. Percebemos que seríamos a confraria mais jovem e desestabilizadora do mundo confrádico sempre que víamos a reação da comunidade mais velha aos nossos ideais de aliar tradição e modernidade, abraçando rabanadas doces, salgadas, disto e daquilo. Na sua cara víamos o choque ao ouvirem falar os enfants terribles da rabanada, como nos batizou o Rafael Tonon na Farta #3.
Nestes primeiros anos de Confraria da Rabanada conseguimos que muitos dos restaurantes e chefs mais interessantes em Portugal tivessem o nosso objeto gastronómico nas suas cartas. Do novo tasco ao restaurante estrelado, a rabanada está por todo o lado, todo o ano, como é apanágio da confraria.
Aqui por casa, materializámos a nossa relação com a criação da rabanada Anita e Garibaldi, unindo duas pessoas e duas confrarias, a minha e a Confraria do Pão, da Regueifa e do Biscoito de Valongo, da qual a Diana Barnabé faz parte e que é também confraria madrinha da Confraria da Rabanada.
A Rabanada Anita e Garibaldi nasceu com um convite do Pedro Braga para cozinharmos num pop-up no Mito. Feita com regueifa, embebida em leite e gorgonzola com cobertura de marmelada batida - uma textura cremosa que complementa a textura estaladiça da fritura.
Para uma criança que não gostava de rabanadas, que virou co-fundador de uma confraria e que resmunga sempre que lhe perguntam pela melhor, é preciso oficializar a confissão de que tenho uma rabanada preferida. A eleita é a rabanada de verde tinto da Adega São Nicolau e Terreiro. É da autoria do sempre lembrado António Coelho, inspirada numa receita de sua avó, e que a Renata Coelho, sua filha, mantém carinhosamente viva nos seus restaurantes. Nada molenga e nada monótona, é doce e ácida, meio tosca e diferente, tal como eu me vejo.
Rabanada Anita e Garibaldi
- 1 regueifa
- 200 gr de queijo gorgonzola
- 1 litro de leite gordo
- 100 gr açúcar
- 200 gr de marmelada
- Manteiga q.b.
- Óleo q.b.
Cortar a regueifa em fatias com aproximadamente dois dedos de espessura, dispô-las num tabuleiro e levar ao forno para secarem durante 3 horas, na temperatura mínima e com a porta do forno ligeiramente aberta.
Numa panela aquecer 1 litro de leite. Adicionar o queijo e o açúcar e mexer até dissolver.
No tabuleiro retirado do forno, regar as fatias de regueifa secas com a mistura líquida, deixando-as absorver o líquido durante aproximadamente meia hora. Virar as rabanadas e repetir o processo durante mais meia hora.
Numa frigideira em lume médio, dourar bem as rabanadas com duas colheres de óleo e uma colher de sopa de manteiga. O mais seguro é ir fazendo as rabanadas duas a duas, ou quatro a quatro, mediante o tamanho da sua frigideira. Para evitar que a manteiga queime demasiado, pode ir limpando e acrescentando novo óleo e manteiga entre frituras.
Com uma varinha mágica, triturar a marmelada incorporando ar até obter um creme.
Para servir, pode espalhar uma colher de sopa do creme de marmelada por cima de cada rabanada.
Rabanada de verde tinto
- 6 pães bijú secos
- 1 garrafa de vinho verde tinto
- 100 + 200 gr açúcar
- 1 colher de sopa de canela em pó
- 1 pau de canela
- Casca de meio limão
- 6 ovos
- Óleo q.b.
Num tacho, aquecer o vinho, 100 gramas de açúcar, a casca de limão e o pau de canela até o açúcar dissolver. Deixar arrefecer.
Cortar os pães bijú a meio.
Bater os 6 ovos e reservar numa tigela.
Num prato, misturar 200 gramas de açúcar e a canela em pó.
Embeber as metades de pão na mistura de vinho, passar pelo ovo batido e fritar em óleo bem quente até dourar de ambos os lados. Retirar as rabanadas fritas, secar ligeiramente em papel de cozinha e passar pela mistura de açúcar e canela. Servir mornas.